A Arte Portugueza

Revista “A Arte Portuguesa”, n.º 1

A Arte Portugueza foi a revista do Centro Artístico Portuense e contou com 12 números, publicados entre Janeiro de 1882 e 1884.

O Conselho de Redacção era composto, na parte artística por Tomás Augusto Soller, António Soares dos Reis, João Marques da Silva Oliveira e António José da Costa; na parte literária Joaquim de Vasconcelos e Manuel Maria Rodrigues.

A revista seria publicada mensalmente, formando cada número um fascículo de 12 páginas in-folio, sendo 8 de texto e 4 de desenhos originais. Ao contrário do que haviam anunciado anteriormente, através de prospectos que haviam posto a circular, os fascículos não viriam, para já, acompanhados de duas grandes ilustrações, impressas à parte. Não deixando de exprimir a vontade de repor o programa que inicialmente fora definido, logo que houvesse oportunidade para tal.

A Arte Portugueza procurou abordar o mais variado número de temas ligados às Belas Artes, de forma a divulgar, educar e ser proveitosa para os artistas. De modo a conseguir concretizar esses objectivos, traçou desde logo um programa que seria cumprido ao longo das várias edições, em que definia, por secções, os assuntos que seriam abordados:

I)  Secção pedagógica ou do ensino artístico;

    A) Estado do ensino primário, secundário e superior:

           a)      Organização de cursos.

           b)      Regulamentos.

           c)      Material das aulas – Modelo de uma oficina de reprodução.

   II)  Secção da História da arte nacional

           a)      Tratados éditos e inéditos.

           b)      Documentos subsidiários (exploração dos arquivos, cartórios públicos e particulares).

 III) Secção arqueológica;

          a)      Explorações científicas e artísticas.

          b)      Monumentos nacionais (seu estado actual e conservação).

  IV) Secção Bibliográfica

          a)      Revista crítica dos trabalhos nacionais.

          b)      Bibliografia geral artístico-arqueológica, antiga e moderna.

  V) Notícias Várias.

Cada número custava 100 reis mas era possível ser adquirida por assinatura, que poderia ser anual (1$200 reis), semestral (600 reis) ou trimestral (300 reis) que deveriam ser pagos adiantadamente.

Ao tratar-se de uma publicação que pretendia servir a nobre causa da defesa das Artes, não pressupondo lucros, não encontramos em nenhum dos seus 12 fascículos o recurso à publicação de publicidade para auxiliar a sua sustentabilidade. A Revista vivia assim das assinaturas que conseguia e dos volumes que ia vendendo mensalmente e talvez de um ou outro generoso contributo que alguém quisesse oferecer.

A Revista poderia ser assinada em qualquer livraria do Porto e para fora dessa cidade as assinaturas deveriam ser pagas adiantadamente. Mas não demorou muito até que surgissem correspondentes de outras cidades do país. Logo no terceiro fascículo é anunciada a parceria com um correspondente de Lisboa, o Sr. A. De Sousa Pinto, na Rua dos Correeiros, 140. No quinto já contam por um correspondente em Braga, a Livraria Popular, e outro na Figueira, o Sr. Manuel Pinto Duarte.

Os primeiros 11 fascículos saíram mensalmente cumprindo, em regra, o que os seus autores se propunham. Já o 12º, além do atraso que sofreu na data de publicação, Março de 1884, ao que os seus editores se desculparam e tentaram compensar colocando-lhe mais uma estampa, acabou por ser o último exemplar desta revista.


O Centro Artístico Portuense

Locais onde esteve instalado o C.A.P.

Em 1879 fez parte, juntamente com um grupo de outros artistas, estudiosos e beneméritos das artes (entre os quais figuram Marques de Oliveira, Henrique Pousão, Joaquim de Vasconcelos, Thomaz Augusto Soller, entre outros) da Criação do Centro Artístico Portuense (C.A.P.), cuja presidência veio a assumir.

Foi o sócio nº 1 do C.A.P., o seu principal fundador e um dos seus maiores impulsionadores.

Apesar da data de fundação remontar a 1879, só aparece como instituído a 22 de Janeiro de 1880, o que se poderá dever ao facto dos Estatutos[1] só terem sido apresentados nessa data ao governador civil, que os aprovou a 26 de Junho de 1880.

A sua primeira morada terá sido num edifício da Rua de S. Lázaro, mas um rápido crescimento levou a que se instalasse no primeiro andar do n.º 54 da Rua do Moinho de Vento, onde se manteve até à sua extinção, em 1893. O espaço era composto por um quarto e duas salas.

Fundado para dar expansão às Belas Artes, pretendia promover o desenvolvimento intellectual e artistico dos seus associados e contribuir, quanto em suas forças caiba, para o estimulo e propagação do gosto tanto pelas artes plásticas, como pelas industriaes, no paíz[2]. Para tal propunha-se levar a cabo um significativo conjunto de iniciativas tais como: criar um atelier com modelo vivo e outros elementos de estudo; organizar palestras e conferências sobre assuntos de arte; publicar um periódico, ilustrado, de Belas Artes; organizar digressões artísticas; realizar, anualmente uma exposição-bazar de belas artes; criar um gabinete de leitura e uma galeria de obras de arte e corresponder-se com institutos de Belas Artes, quer nacionais quer estrangeiros.

O atelier para o estudo do modelo vivo, ficou instalado na sala maior das traseiras, dispunha de 30 lugares para desenhadores e funcionava com regular frequência. O seu êxito foi tal que, os seus alunos chegaram a participar nas exposições trienais realizadas pela Academia Portuense de Belas Artes.

O art. 16.º do Regulamento Interno, pretendia que, logo que as circunstâncias o permitissem, fosse acrescentado ao atelier um curso de desenho graduado e de modelação, que beneficiasse quer o ensino elementar artístico quer o da arte aplicada à indústria. Tal acabou por não se concretizar, por falta de meios.

Em Janeiro de 1882 o C.A.P. fez circular um prospecto onde vinham explicados os princípios programáticos de A Arte Portugueza, era o nascimento do primeiro periódico português inteiramente dedicado às Belas Artes.

As visitas a monumentos eram, maioritariamente, orientadas por Soares dos Reis, havendo informação sobre as que ocorreram ao Mosteiro de Leça do Balio, Paço de Sousa, Castelo da Feira, Castelo de Guimarães, etc.

Na primeira exposição-bazar, realizada no Palácio de Cristal do Porto, em 1881, foram apresentados projectos, elaborados pelo Conselho Técnico do Centro, para o restauro das portas (principal e lateral) da Igreja de Cedofeita e da porta principal do mosteiro de Leça do Balio.

O Gabinete de Leitura, segundo o catálogo do Centro, possuía muitas e variadas obras – tais como Phidias de Beulé e a Anatomie des formes du corps humain de Fau, ambas de Soares dos Reis – às quais se vieram juntar muitas outras que eram adquiridas em permuta com a Arte Portuguesa. Nas despesas do Centro encontra-se, frequentemente, referência ao pagamento de “jornais franceses” e “revistas ilustradas”, bem demonstrativos da vontade de estarem actualizados sobre os assuntos da Artes além das fronteiras.

Também a Galeria Artística que o Centro foi criando, com os trabalhos e ofertas dos seus associados, foi aumentando com algumas ofertas de Soares dos Reis.

Apesar de em 1881 o C.A.P. contar com apenas 49 sócios, já tinha conseguido levar a cabo quase todos os objectivos que constavam dos Estatutos: já estava criado o atelier de estudo; promoviam digressões artísticas; havia um Gabinete de Leitura e uma Galeria Artística; eram realizadas conferências sobre arte; já estava a ser publicada a revista Arte Portuguesa e organizavam exposições-bazar.

O C.A.P. vivia quase exclusivamente das quotas dos seus associados – que, segundo os registos, chegaram aos 196 [3] –   e por isso, para conseguir fazer face a todas as despesas contava com o que conseguisse arrecadar com as exposições de Belas Artes que, ocasionalmente, organizavam. Apesar de todas estas dificuldades, em 1882 conseguiram fechar o ano com saldo positivo!

Todos estes feitos, em tão pouco tempo são bem demonstrativos de como o Centro Artístico conseguiu corresponder aos propósitos para que fora criado.

Mas, em 1887, Soares dos Reis, que não se encontrava bem há algum tempo, acabou por abandonar o Centro.

Poucos dias após o falecimento do escultor, Ramiro Mourão, sabendo que na casa-oficina do Artista se encontravam valiosíssimos testemunhos da actividade do Centro, incitou um dos seus discípulos a reuni-los e guardá-los para não se perderem.

Apesar de um início profícuo, o declínio do Centro Artístico começou a tornar-se evidente em 1892, ano em que o registo de sócios não mostra mais de 19 nomes[4].

As últimas páginas do livro de registo dos sócios, que data de 1893, já refere apenas 13 nomes.


[1] Para aceder ao ficheiro com os Estatutos e Regulamento Interno do Centro Artístico Portuense seguir:  http://archive.org/details/estatutoseregula00port

[2] Estatutos do Centro Artístico Portuense, Capitulo I, O Centro e seus fins, p. 7.

[3] Machado, Carlos Diogo de Villa-Lobos (1947), Soares dos Reis e o Centro Artístico Portuense, p. 18.

[4] Machado, Carlos Diogo de Villa-Lobos (1947), Ibid., p. 99.

Para além do escultor

O Abandonado, 1882

António Soares dos Reis foi um marco na escultura portuguesa. A afirmação parece um cliché, no entanto, olhando ao parco panorama da escultura produzida em Portugal na 2ª metade do século XIX, verificamos que o artista gaiense fez parte dum núcleo muito restrito, do qual sobressaem poucos mais nomes do que o de Vítor Bastos ou Alberto Nunes.

 As obras que nos legou são de uma qualidade e beleza inegáveis, assim como a sua capacidade única de conseguir retratar para além do visível, projectando na obra a personalidade dos vultos que representou. Quem vê O Desterrado quase espera que ele se levante do rochedo e siga o seu caminho. Em relação à obra que representa o Conde de Ferreira acreditamos que se baixe e nos estenda a mão para nos cumprimentar. Já o Abandonado temos vontade de pegar nele e levá-lo.

Soares dos Reis conseguia, como ninguém, dar uma dimensão humana às suas obras, quer pela qualidade da execução quer pela alma que lhes conseguia atribuir, características que fizeram dele um artista ímpar. Só isto bastaria para que merecesse ser recordado e apreciado, mas o seu lado de escultor era um dos muitos que o artista possuía e que faziam dele um personagem extraordinário.

Nas suas actividades de homem comum encontrava alegria nas mais pequenas e variadas coisas. Tinha uma outra paixão além das belas artes,  à qual dedicava muito do deu tempo e afeição, a jardinagem. O seu sonho era ter, junto à casa, um jardim onde pudesse cultivar as suas flores, que tratava com verdadeiro carinho.

No seu jardim, que o próprio delineou, encontravam-se os mais variados tipos de flores que partilhavam o espaço com inúmeras árvores de fruto sem esquecer as suas tão apreciadas alcachofras e os predilectos acantos. 

Na rua Pinto de Aguiar, à entrada da Quinta do Cedro, havia um jardim que foi delineado por Soares dos Reis que, terá projectado também, o jardim da vivenda do pai de um seu amigo, conhecido por Cunha da Raza. O gosto era tal que, amiúde, na companhia do seu amigo Diogo José de Macedo, fazia digressões pelos campos de Vila Nova de Gaia, à procura de fetos e miosótis.

 

Jardim da casa-oficina de António Soares dos Reis

Apesar do pouco que tirava dos seus trabalhos como escultor e do baixo ordenado que recebia enquanto professor na Academia, sempre que conseguia juntar algum dinheiro usava-o para comprar aos seus colegas obras de arte com que, todo satisfeito, decorava as paredes dos seus modestos aposento. Esta sua faceta Humanista era bem conhecida dos seus colegas e amigos, tantas foram as vezes que a puderam apreciar.

Se havia assunto que era caro ao escultor era a dinamização das artes e do seu ensino, assim como um maior reconhecimento para os artistas portugueses e as suas obras. Foi nesse sentido que Soares dos Reis se envolveu em inúmeros projectos, uns mais frutíferos que outros, conseguindo fazer pela arte portuguesa mais do que até então alguém havia feito. Na sua actividade enquanto professor na Academia Portuense de Belas Artes tentou, por várias vezes, aplicar programas de melhoria que aperfeiçoassem o ensino na Academia quer para os docentes quer para os discentes. O que não conseguiu realizar na Academia procurou fazê-lo com a criação de um Centro Artístico (o C.A.P.), juntamente com outros e artistas e estudiosos, e, na sequência deste, uma revista exclusivamente dedicada às Belas Artes (Arte Portugueza). Além da participação nesta revista participou também, enquanto repórter artístico, na revista O Occidente.

Revista “A Arte Portuguesa”, n.º 1